Não me lembro do dia em que apareceu na minha vida, mas sinto que o conheço desde sempre. Herdou-me o gosto pelo campo, pelo ar puro e pelo caminho de terra batida. Com ele, aprendi como é crescer no campo, com uma sabedoria de só quem nasce e vive para ele o sabe. Foram muitas vezes em que o vi sorrir e poucas em que o vi fraquejar. De enxada na mão, mostrou-me caminhos e trilhos desconhecidos. Mostrou-me como posso ver o céu através do cimo das nespereiras. Dava-me o escadote a mim como se eu fosse a única que o soubesse fazer, mas ele sabia-o e sabe-o tanto quanto eu. Herdou-me isso, também. Com orgulho, mostrava-nos como se podia ser mais e melhor a aprender as coisas mais simples. Eram simples, para ele, mas para mim foram coisas que me enriqueceram enquanto menina e, mais tarde, mulher.
Na pele enrugada e nas mãos com histórias para contar, vejo-lhe o passado difícil, mas sempre com um espírito positivo. Nunca se deixou vencer pelo medo e tão pouco pelo cansaço. De camisas velhas tornou-as em toalhas e da água do poço mostrou-me como se vive no campo sem banheira. Na casinha pequenina, com uma cozinha e um quarto, mostrou-me como se cozinhava em modo sobrevivência, mas sempre com o brilho nos olhos quando tinha marmitas para o resto da semana. A minha mãe sempre se responsabilizou por isso.
Com ele, aprendi a gostar dos fins-de-semanas. Conheci as pocilgas, os porcos e até mesmo as ovelhas. Aprendi que no campo não há como não ficar com os sapatos atascados em lama. Mostrou-me os olivais e levou-me a mim e ao meu irmão na caixinha atrás no trator. Via-nos felizes e isso deixava-o feliz também. Deixou-me subir ao bidon branco com escadas que me deixavam ver a água que regava o que mais tarde seriam azeitonas. Mostrou-me as uvas que se tornavam em vinho e mostrou-me que no campo não há tempo. Não há horas contadas.
Foi (e é!) o meu parceiro de jogos de cartas em todos os natais e mesmo quando perdíamos não ficava chateado comigo. Até achava piada. Percebi-lhe o amor pelos Ferrero Rocher e pelo licor beirão. Percebi-lhe que unidos lhe fazíamos a companhia que ele precisava e que essa compensava os dias em que vivia numa solidão.
Não conheci o meu avô materno, mas nele vi-o desde sempre. De poucos afetos, sorria sempre que nos via chegar. Viu-me crescer e eu, infelizmente, vi-o envelhecer. Todos os dias estou um dia mais velha e todos os dias tenho-o menos um dia. É a dura realidade da vida e aquela que mais me assusta. Vejo nele a figura de avô materno que, infelizmente, não tive, mas que lhe assentou que nem uma luva. Quando tinha de impor respeito, estava lá para isso, mas quando tinha de brincar também o sabia fazer.
Sinto que os meus pais me tornaram na menina doce que sou e com demasiado amor para dar. Sou um turbilhão de sentimentos e com demonstrações de afeto eternas. Quero-os para sempre junto a mim e sei que não os terei para sempre. Vivo num confronto direto entre o que é o fim e o que para mim é o começo. Queria que pudéssemos começar do zero. Agora. Aprender de novo o que são as figueiras e como se comem os figos. Queria aprender como se apanha uma laranja, mesmo que não as vá comer por não gostar do sabor. Queria tê-lo sempre na ponta da mesa, no lugar habitual. Queria ouvi-lo a entrar em casa a bradar “dá licença?”. Toda, querido Luciano… Dou-lhe toda a licença, para que se levante deste obstáculo e que consiga dar mais um passo até àquele fim. Aquele que ninguém quer, ninguém anseia, mas que acontecerá. Prometemos celebrar os 100 todos juntos e não espero menos do que isso.
Que todos tivessem a oportunidade de viver a vida que eu vivi e como a vivi a conhecer o campo e o melhor que este tem para nos dar. Enquanto estiver na nossa vida, seremos muito mais ricos. Quando já não estiver, seremos um pouco menos ricos, mas com toda a certeza de que nos deixou de herança o melhor deste mundo: termos feito parte da sua vida.